domingo, 1 de julho de 2007

Lição desconhecida


Ainda me lembro quando o alaranjado fundia-se ao vermelho enegrecido daquela tarde melancólica de inverno. Dava a impressão de estar cansada demais para quem aparentava ter 17 anos. O vento gelado que tocava-lhe a face a fazia franzir o rosto preocupado e escondido por trás dos livros que carregava. Não eram poucos.
Caminhava devagar, parecia pensar muito enquanto seus delicados pés se moviam para frente. E eu apenas ali, observando como quem a admirava há algum tempo. Como se a conhecesse.
Ao longo de seu percurso se deparou com muitas lojas, mas uma em especial conseguiu prender sua atenção durante alguns minutos. Minutos esses que, para ela, pareciam ser preciosos. Mais do que preciosos, pareciam raros.
Sua atenção foi inteiramente tomada por "flashs" de imagens que eram transmitidos por inúmeras televisões na vitrine.
Ficou parada olhando, admirando aquelas imagens como eu a admirava e tentava compreender aquelas expressões pensativas.
Eram muitas televiões, muitas imagens, muitas histórias numa só vitrine... Seu olhar, no entanto, estava preso a algum fato que eu não compreendia, mas queria entender. Seus olhos se fixaram em apenas um canal, e tal escolha a privava de muitas outras. Não poderia prestar atenção em várias tv's, apenas em uma. Sua escolha era decisiva. Apenas uma tv, um canal, uma única história. Jamais saberia o que passava nos outros canais. Ficou ainda algum tempo ali concentrada na imagem da vitrine, aquela imagem que parecia fascinante frente aos seus lindos olhos castanhos.
De repente pareceu voltar aos seus pensamentos iniciais. Talvez a preocupação com os livros, ou não, talvez o simples fato de ter se dado conta que o céu já estava escuro fez ela voltar seus pensamentos para o mundo solitário que a envolvia. Sim solitário, apenas ela e os livros, companheiros inseparáveis... Para onde ia? Para onde queria ir? As dúvidas afloravam minha mente e me impulsionavam em sua direção, mas não tive coragem de atrapalhá-la. Deixei que fosse com seus pequenos passinhos que faziam de meu mundo um outro mundo, um mundo cercado de dúvidas, sonhos? Nunca tracei metas, mas é como se já as tivesse traçado.
Apenas uma tarde de inverno, algums minutos de uma vida mudada por passos e expressões de uma desconhecida que parecia ter muita determinação naquilo que havia planejado para sua vida. Determinação essa que me fez rever completamente aquilo que eu havia feito da minha vida até tal momento.
Virou a esquina e sumiu no horizonte com aqueles mesmos passos delicados com que chegou. E eu fiquei ali parado, não mais admirando, mas relembrando da inesquecível expressão de sabedoria de uma jovem que parecia saber muito bem do que queria para sua vida, do que havia planejado para si. Me lembrei então de algo que traduzia exatamente o momento: "De tempos em tempos, o Céu nos envia alguém que não é apenas humano, mas também divino, de modo que, através de seu espírito e da superioridade de sua inteligência, possamos atingir o Céu".
Alcancei o Céu e, com ele, a coragem de continuar.

4 comentários:

Anônimo disse...

Por que vocês duas não escrevem um livro?
Adorei o post! Muito profundo!
Quem dera eu também tivesse paciência e criatividade pra escrever sempre num blog!
Amo vocês!
;*********

Pedro disse...

Ok, ok, é culpa da Clarice né? Confessa ;)

Me absorveu e me deixou confuso, igual ela sempre faz. Posso ter essa duvida parcialmente respondida, mas quem são as personagens?

TVs. Boa metáfora... Parei de olhar pra várias tvs... Hoje, olho só pra uma. Mas e amanhã? Quem garante. O importante é que hoje eu parei tudo que estava fazendo pra comentar aqui. Porque se precisavas motivos pra continuar escrevendo e pra me fazer continuar lendo aqui, conseguiste de maneira que nem eu conseguiria.

E quem disse que só posso chegar até o céu? Me levaste bem mais longe.

Obrigado ;*

Anônimo disse...

Que lindo!
Faço minhas as palavras da Flávia!
Ou podiam fazer letras!
hehe!

Bruna, Bruninha disse...

De tempos em tempos, o Céu nos envia alguém que não é apenas humano, mas também divino, de modo que, através de seu espírito e da superioridade de sua inteligência, possamos atingir o Céu".

Era tudo o que eu precisava te dizer..

Câmeras fotografam imagens, palavras fotografam momentos... E se o texto for ficção? Aí, é pintura...

Cada post é um "Obrigada" silencioso... Sabes que me desestimulei a escrever com este texto? Agora só quero ler...

(PS* Amei os links - cof, cof... - Grazie per leggere...)
Beijos